segunda-feira, 26 de novembro de 2012

FOGO DE MUCUGÊ


SINCORÁ
(Blog do autor onde primeiramente essa matéria foi postada)






Ruínas em Igatú - Xique-Xique - Chapada Diamantina (MB)





Cachoeira - Chapada Diamantina Meridional




Rua e casas - Mucugê/Ba. (MB)



Vista Parcial - Mucugê/Ba. (MB)



Vale do Pati - Chapada Diamantina Meridional.


Morro do Pai Inácio - Palmeiras/Ba. Chapada Diamantina.


Pé de Sempre-Viva, Mucugê/Ba.



Sede da Filarmônica 23 de dezembro, Mucugê/Ba (PA).



Pedra da Letra - Cruzeiro do tio Alfredo - Mucugê. (MB)



Jardim da Casa de Lacimi - Mucugê (MB)



Sala na casa de Lacimi - Mucugê (MB)


Mar d´Espanha (PA)

UM POUCO DE HISTÓRIA

Fogo de Mucugê
Cidade foi a única do interior da Bahia a conseguir enfrentar a Coluna
Flávio Novaes

O homem do garimpo e o comerciante já estavam a postos, bem escondidos nas pedras. O primeiro com uma repetição papo-amarelo, o segundo com um fuzil. “"É vem, é vem!!”", disse, assustado, e com o coração batendo a mil, Chiquinho de Laurinda. “"Aqui eles não entram!”", respondeu Anísio Paraguassu. E não entraram. Mucugê, na Chapada Diamantina, foi uma das poucas cidades no Brasil da Velha República que conseguiu resistir à fúria revolucionária da Coluna Prestes. O tiroteio que durou quase todo o dia resultou em importantes perdas para os homens que vinham do Sul, certos que mudariam o país com a tática da guerra de movimento. O fogo de Mucugê, ou combate da Volta do Morro, foi mais um capítulo da triste passagem pela Coluna por terras baianas. Sempre vencedor na maior parte das batalhas que enfrentou pelo país, Prestes e seus seguidores somaram reveses no estado, contribuindo para a retirada dos revoltosos rumo ao exílio na Bolívia.


Na refrega, a Coluna perdeu o tenente Leopoldo Ribeiro Júnior, telégrafo do grupo. Atingido gravemente no combate, viajou baleado em uma padiola até morrer no dia 9, na Fazenda Zabete, no povoado Coxó dos Malheiros, atual Iraquara. Povoado por milhares de garimpeiros que corriam em busca das pedras nas lavras e tendo a mão forte do coronel Antonio Landulpho Medrado, o Dôca Medrado, o município foi palco de uma bem armada emboscada para o capitão e sua turma. Uma vanguarda da Coluna, sob o comando de Ary Salgado, foi recebida a tiros vindos de todos os lados, inclusive do cemitério Bizantino, situado na entrada da cidade, nas primeiras horas em que o sol apareceu, tímido, envolto por uma neblina, em 7 de maio de 1926.


Situada entre serras, a mil metros de altitude, a pequena e bela cidade da Chapada contava, naquela época, com aproximadamente 20 mil habitantes. Sua localização era fundamental para a passagem da Coluna rumo a Salvador. Era, também, um dos mais importantes centros comerciais do interior baiano, onde o dinheiro não era problema graças à fartura das pedras. A cidade, cercada por garimpos e fazendas, era o ponto de reunião dos trabalhadores no final de semana, principalmente no sábado, dia da feira.


E foi justamente na véspera, numa sexta-feira, quando homens, mulheres e crianças se preparavam para encontrar no centro da cidade as delícias trazidas pelos tropeiros, que tudo começou. Anatalino Medrado, filho do velho Dôca, foi capturado por homens na cabeceira do Sumidouro, propriedade do pai, a quatro léguas de Mucugê. “"Ele estava campeando, prendendo éguas com Teodomiro Rocha, empregado da fazenda, quando uma nuvem de poeira surgiu na estrada; eram os revoltosos”", conta Aluísio Paraguassu, historiador da cidade e sobrinho de Anísio Paraguassu, um dos heróis da força que protegeu o município.


Novo refém


Atônito, Anatalino se deixou levar pelo sargento Zuperio, homem de confiança de Prestes e líder, na ocasião, de uma potreada. O mais novo refém foi levado à presença do Estado Maior, que determinou a entrada do Destacamento Dutra na antiga vila de Santa Isabel do Paraguaçu. O local não estava na rota da Coluna, mas, de acordo com Anatalino, lá em sua terra natal todos seriam recebidos pacificamente, conforme já havia anunciado o coronel. Aquela seria uma ótima oportunidade para que a Coluna conseguisse novas armas, munições e mantimentos para seguir com a caminhada.


Já Teodomiro, após escapulir dos revoltosos, partiu em alta velocidade, a pé, para comunicar o acontecido ao velho Dôca. De acordo com Paraguassu, o coronel imediatamente autorizou que os revoltosos entrassem sem moléstia na cidade, mas não foi atendido pelos comerciantes e garimpeiros. Ninguém admitia que anos de trabalho para erguer a próspera cidade da Chapada fossem dizimados em apenas algumas horas pelos revoltosos. Nas Lavras, Coluna rimava com destruição, pânico, morte.


Sem querer assistir a um combate e a uma possível perda do filho, Dôca se refugiou na Chácara, outra propriedade do coronel que fica nas imediações da cidade e situada atrás da Pedra da Letra. Do alto de uma serra, situada entre a Pedra e Mucugê, Paraguassu ficou esperando o início do fogo. Os preparativos para a chegada da Coluna foram cercados de planos e ações de guerra a fim de evitar que a cidade fosse dominada por Prestes e sua gente. De acordo com Paraguassu, que sabe na ponta da língua as histórias passadas a ele pelo tio, um detonador foi instalado na principal entrada da cidade, chamada de Emburrado. O lagedo, que ficava sobre um trecho do Rio Paraguaçu, foi coberto por algumas pedras para esconder as dinamites ligadas ao detonador, estrategicamente instalado em uma serra próxima. “"Não se sabe o que aconteceu, mas o fato é que quando menos se esperava, os homens de Prestes já apontavam próximo de algumas casas”", relata. O plano havia falhado.


A cidade estava praticamente deserta. Na noite anterior, a maioria das famílias havia se refugiado nos garimpos próximos a Mucugê, que eram batizados pelos nomes ou apelidos dos gerentes que supervisionavam os trabalhos no local: Lessa, Beiçudo, Gobira, Mato Grosso, Capabode. “"Era perto de meia-noite de sexta-feira quando saímos às pressas para o garimpo Cabeludo, onde ficamos escondidos mais ou menos uns dez dias”", lembra Carlos Gomes Machado, 88 anos, dono de um antigo bar em Mucugê. Da época, quanto tinha 12 anos de idade, ele ainda recorda do alvoroço na cidade e de sua mãe e irmãs correndo pela trilha com várias trouxas de roupa na cabeça rumo ao refúgio. Enquanto os moradores saíam, pelo outro lado, na estrada que segue para Andaraí, chegavam alguns homens de Horácio de Matos, ávidos por mais um combate.


Aquele maio de 26 passou debaixo d’água. As chuvas na região deixaram os rios cheios, o que tornava a travessia da Coluna pela Chapada ainda mais cansativa. E assim, alertas mas já sem o vigor do início da odisséia, a vanguarda de Ary Salgado Freire, com aproximadamente 50 homens, chegava a Mucugê, abrindo caminho para o Destacamento Dutra, que contava com mais 200 revolucionários.


Lourenço Moreira Lima, em seu diário da Coluna, narra como foi a chegada: “"Nesse dia (7 de maio), o Destacamento Dutra alcançou a dita cidade de Mucugê, que fica além de uma longa e estreita garganta formada por duas altas serras pedregosas, junto ao referido Rio Paraguaçu, que foi transposto por ele. Fazia a vanguarda o major Ary Salgado Freire, que atravessou aquela garganta até perto das primeiras casas da cidade. Ao atingir este ponto, Ary foi hostilizado com violência, de frente e pelos flancos, por numerosa tropa emboscada dentro das ditas casas e nos altos das serras. O fogo do inimigo era nutridíssimo”".


Atirando a esmo


Encurralados, Ary e seus homens atiravam a esmo, pois não viam de onde partiam os disparos. A solução foi abrigar-se entre algumas pedras que ficavam na trilha até que o Destacamento Dutra adiantasse o passo e entrasse na briga, o que aconteceu momentos depois. “"O desespero era tão grande que muitos revoltosos gritavam: ‘~~Tem defunto também atirando’~~, referindo-se às balas que vinham do cemitério”", diz Paraguassu. Já estava anoitecendo quando os homens da Coluna começaram a se retirar da Volta do Morro, somando diversas baixas. Não se sabe ao certo o número de mortos, já que nenhum corpo ficou na linha de combate. De forma dramática, os revoltosos laçavam todos os companheiros atingidos mortalmente para depois jogá-los num trecho do Rio Paraguaçu, próximo à entrada da cidade, que ficou conhecido como Poço do Criminoso. Hoje, é lugar para o bom mergulho nos finais de semana.


O recuo do destacamento foi providencial. Seu Carlos Gomes Machado lembra dos relatos aliviados dos homens que defenderam Mucugê. Caso o combate tivesse continuado por mais meia hora, a munição acabaria e a Coluna tomaria a cidade. “"Só no domingo pela manhã, chegou o reforço de Xique-Xique do Igatu, enviado pelo coronel Aureliano Gondim, chefe político de Andaraí”", lembra o simpático comerciante após servir mais uma dose de cachaça para um rapaz que está interessado na conversa.


Para muitos, o Fogo de Mucugê foi fundamental para alterar as pretensões da Coluna. Mesmo fora da rota traçada, Prestes teria na cidade um forte ideal para o reabastecimento a fim de seguir rumo ao litoral, como planejado no início da caminhada. “"Mas, do alto daquelas serras, dez homens brigam com mil. Queria ver entrar”", afirma seu Carlos com um tom desafiador. Além de Chiquinho de Laurinda e Anísio Paraguassu, escreveram seus nomes na história capitão Zé Pedro, Alto Medrado, Júlio César, Manoel Landulpho e Luís Aguiar, fazendeiro herói da resistência. Estes eram os homens da cidade que, ao lado dos jagunços do coronel Horácio, conservaram intacta a cidade dos diamantes.

(Matéria Publicada no Correio da Bahia)
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Raínha da Serra na Serra do Sincorá - Mucugê. (MB)



Serra do Sincorá vista do Alto do Capa Bode - Mucugê.(MB)



Salão Maestro Julio Cesar - Mucugê.(PA)


MINHA HOMENAGEM AO MEU AVÔ: - TAÍ O SEU "BODE PRETO"!
FOI BOM TER BOTADO AQUELE POVO PRA CORRER: - FEZ-SE DE BESTA! :))




Salão Maestro Júlio César - Mucugê (PA)


Rio Paraguaçu visto da ponte da usina - Andaraí (MB)



Pedras roladas no Rio Paraguaçu - Andaraí (MB)


Cemitério em estilo Bizantino - Mucugê.



Praça do Garimpeiro - Mucugê.(MB)


Campo de sempre-vivas - Gobira - Mucugê.



Jardim da casa de Lacimi - Mucugê. (MB)


Poço Encantado - Itaitê.


Poço Encantado - Itaitê.



Projeto Sempre-Viva - Mucugê (PA).



Projeto Sempre-Viva - Mucugê.(MB)



Rosa no jardim de Lacimi - Mucugê (MB).


Canion da Sandália Bordada - Rio Mucugê (MB).


Paredão da Lapa do Bode - Chapada Diamantina.


Mar d´Espanha - Mucugê.


Morro do Sobrado - Mucugê (MB)


Saida para os Campos Gerais - Mucugê (MB)



Rua do Centro Histórico - Mucugê (MB)



Centro Histórico - Mucugê. (MB)
Vista da Janela de Lacimi

i

Praça e Coreto - Mucugê/Ba (MB)


Praça no Centro Histórico - Mucugê


Mucugê - um diamante na Chapada Diamantina - Cidade, arredores e cercanias.
Aqui uma Vista panorâmica.


Fotos por Marco Bastos (MB), parentes ou amigos (PA)
Fotos obtidas na Internet ou de fotógrafos profissionais.



5 comentários:

Jorge Sader Filho disse...

O que já havia visto e lido em "Sincorá", um dos blogs de Marco Bastos, vejo agora ampliado e melhorado.
Não só é apresentada a beleza e a magia do lugar, mas histórias importantes que aconteceram no local, como a passagem da coluna Prestes.
Um espaço importante; mostra coisas que o brasileiro desconhece, reveladas pelo olhar atento de Marco, a quem envio os parabéns e grande abraço.
Jorge

Vania de Castro disse...

Marco,
parabéns pelas fotos e matéria publicada. Seu Blog traz dados históricos e a cada dia está mais bonito!
Meu abraço,
Vania

Jorge Sader Filho disse...

Não me canso em apreciar as fotografias excelentes das cidades simples e paisagens da Chapada Diamantina, na verdadeira reportagem de Marco Bastos.
Meu abraço,
Jorge

Unknown disse...

Belo documentário Marco. Parabéns.
Saudades de Mucugê.

Elizabeth Nunes de Sousa disse...

Parabéns Marco por este resgate da história da terra de nossos pais. São fatos que eu desconhecia. Sua narrativa é perfeita: consigo visualizar as cenas e o povo na defesa de Mucugê. Lindas fotos! Abraços, Beth