sábado, 16 de março de 2013

SOBRE UMA MENSAGEM DO PAPA


O Papa Francisco pede aos Argentinos: "Não venham para a missa do dia 19 em Roma. Doem o dinheiro aos pobres." (notícia)

Estou aqui a pensar nos significados simbólicos, complicados, da fé e do dinheiro - pensando em bezerros de ouro. Um Vaticano vazio é um Vaticano morto. 

Mais crescem na atualidade as igrejas que fazem questão de ter seus fiéis dentro dos templos (até, talvez ou principalmente, para arrecadarem dinheiro, doações e dízimos) para manterem o 'rebanho' reunido. Constroem enormes templos em pedra e cal - talvez por saberem que os templos que se erguem nos corações e nas mentes são muito fugazes e volúveis - apesar de se dizer que 'a fé remove montanhas'. 


Há um ditado popular que fala que 'quem parte e reparte fica com a maior parte' - e nesse processo de acumulação de capitais acontecem a mais valia (nas trocas a usurpação e a apropriação de parte do valor), e o enriquecimento dos homens e dos Estados.


Para fazer coisas é necessário ter condições e capacidade de se fazer. O "acontecer" nada mais é que dar existência e materialidade a ideias e crenças através do alinhamento de vontades. O acontecer depende de potência e de massa crítica. 

A moeda foi feita  redonda para rodar, e o entesouramento é estéril porque acumula, mas não realiza - também se diz. O não-acontecer, o não-realizar é a maior pobreza - é só dinheiro que se acumula. E vivemos em um mundo cheio de disparidades, poucos com muito e muitos com quase nada. Dessa constatação nascem as ideologias que se transformam em políticas; há vontades que se realizam e vontades que se frustram. 


O "Rei" de Éxupéry achava que deveria construir uma Cidadela no coração dos homens: "se eu quiser que os homens saiam para o mar, não lhes ensinarei a trabalhar a madeira, a conhecer os ventos e as marés, a desenhar navios e a tecer tecido para as velas. Basta que eu passe para os homens a vontade-de-sair para o mar" – mais ou menos isso. 


Há verdades apriorísticas e há verdades a posteriori. 

Acredita-se que as primeiras sejam inquestionáveis e verdadeiras (e boas) pela própria natureza. Não dependem de confirmação. As outras é preciso que se comprove. 

Mc Gregor construiu duas teorias, a X e a Y. Na X o homem é preguiçoso, mal intencionado, relapso, socialmente irresponsável. Na Y, ele é imanente e inerentemente proativo, responsável e bom.


O homem socialmente bom, em tese, e aprioristicamente, é altruísta, solidário, fraterno, e capaz de interagir bem com seus pares, com igualdade. 
Há quem concebe Estados-de-paz-social onde prevaleceriam tais características. 
Há quem acredita que para ser alcançado tal estado-fim, quaisquer meios seriam justificáveis - até mesmo aqueles que ad-hoc sejam incongruentes e antagônicos, em princípio. 

E acho que estão aí quase todos os ingredientes dessa salada-mista que é o homem-em-sociedade.


Observo que há políticas dissipativas e distributivas de recursos. Há políticas que são concentradoras de valores. 
Há Estados que confiam na capacidade e nos valores para conseguirem coisas através da livre-iniciativa de seus povos. 
Há Estados que não confiam e que são altamente tributadores para conseguirem concentrar tais recursos e com isso poderem realizar o que conceituam como bem-comum. 
Há políticas que chamam para si a responsabilidade pela produção e pela distribuição das riquezas, talvez por considerarem que prevaleçam na sociedade os homens X.

Para a organização das vontades e das atividades, a humanidade sempre realizou grandes projetos (muralhas da China, pirâmides egípcias e maias, torre Eiffel, grandes palácios e monumentos, estradas, ferrovias, brasílias, grandes navegações, viagens à Lua, aceleradores de partículas, imensos telescópios, engenhocas no solo marciano, ou viajando no Sistema Solar e no espaço interestelar - alguns com objetivos práticos e utilitários, outros tendo somente o objetivo de alinhar e bem-resolver as pressões e as atividades sociais. 
Criar inimigos externos sempre foi, desde a antiguidade, uma forma de conseguir coesões internas. Para todos os grandes projetos sempre foi necessária a concentração e densificação dos capitais, independentemente da cor das bandeiras e das ideologias.

Estados distributivos e comunitários foram e ainda são encontrados em pequenas sociedades primitivas, isoladas no tempo e no espaço, vivendo da Natureza - sociedades extrativistas e coletoras, muitas vezes nômades pela exaustão geográfica dos recursos naturais. 
A dissipação pura e simples dos recursos nunca realizou grandes projetos. A carência sempre manteve elevadas as propensões ao consumo.

Os grandes projetos distribuem os recursos remunerando o trabalho ou adquirindo bens, que também remuneraram o trabalho para virem a existir como coisas, bens ou serviços. 
O rover que está em Marte levou para Marte poucas toneladas de materiais. 
Os milhões de dólares gastos foram distribuídos entre milhares ou milhões de terráqueos que trabalharam diretamente no projeto ou que produziram algum bem consumido no mesmo. O garimpeiro analfabeto dos sertões baianos pode ter pago seu feijão e a sua carne-seca ao vender o cristal-de-rocha que foi usado na fabricação de componentes eletrônicos necessários aos equipamentos da astronáutica.

Com relação ao Papa e ao seu pronunciamento, penso se tratar de contrainformação para amenizar as pressões que estão sendo feitas, acusando-o de ter sido omisso na época da ditadura argentina. As esquerdas querem as contrapartidas. O Papa responde com discurso populista. 
Todos bem sabemos que para ir a Roma, estaremos gastando dinheiro, símbolo do que foi ganho em atividades produtivas. Sabemos que são as viagens que viabilizam as companhias de transporte, que pagam os tripulantes, rendem salários para os operadores de terra, que viabilizam a rede hoteleira, e remuneram o criador de ovelhas pela lã da elegante roupa do viajante. E por aí vai.

Percebo tentativas de forte politização a partir e na escolha do novo Papa. Nisso devem estar atuando grandes forças internas à própria Igreja e também externas a ela. 

Entesourar não é boa coisa. Dissipar recursos também não leva a nada.


É preciso se construir o bem no coração dos homens. A vida não é só fluxo de moedas. O homem precisa se desenvolver espiritualmente até para tratar seu semelhante com mais igualdade e dignidade.

Marco Bastos.

5 comentários:

marcia disse...

Marco,ler você é sempre aprender,principalmente no final quando trata da escolha do novo papa...bjus

Jorge Sader Filho disse...

Assunto sério, amigo Marco.
Riqueza acumulada nunca serviu para coisíssima nenhuma, mas insistem na prática.
Quanto ao Papa, ele tem boa 'cara' e bons hábitos, segundo muitos. Espero que estejam certos, embora seja cristão puro, mas não católico. Muito pertinente, sua longa e cuidadosa postagem.

Abraço,
Jorge

Unknown disse...

Achei bem confuso seu pensamento...
nada se conclui. perdão.

Marco Bastos disse...

Obrigado aos amigos pela leitura. À Márcia, ao Jorge e à Denise, pelos comentários. Quando não há ofensa, não há necessidade do perdão, Denise. Qualquer conclusão que eu apresentasse seria minha conclusão, e não cabe a mim concluir pelo leitor. Assim, preferi escrever sobre os "ingredientes para a salada-mista que é o homem em sociedade". O Papa que poderia ser dogmático preferiu falar no Deus-Ter e sobre Caridade. E poderia ter sido mais enfático, mandando o rico trabalhar mais para ter dinheiro suficiente para dar o pão aos pobres e ainda sobrar alguns trocados para ver o Papa em Roma - lá juntos celebrariam a Religião, todos de alma e roupas lavadas pelos bons atos praticados. No entanto, no momento a Igreja e uma parte dos argentinos conversavam sobre economia, fazendo essa salada-mista na minha cabeça. abraços.

Vania de Castro disse...

Marco, ao ler seu texto lembrei-me de uma antiga música de Elton Medeiros, chamada MAIORIA SEM NENHUM, quem canta é o grande Pedro Miranda.
https://www.youtube.com/watch?v=6pI6ShRn4c0
"Uns com tanto
Outros tantos com algum,
mas a maioria sem nenhum"
Muito pertinente seu texto, muito claro. Aí pensei eu: pessoas dormindo na Av. São João, sem colchão,nas calçadas frias. Gente e animais magros, sem água, sem comida. Verbas para resolver os problemas de terras que deslizam pelas encostas em épocas de chuva e gente enriquecendo fazendo uso do dinheiro público destinado a resolução dos problemas da terra que cai e enterra pessoas e suas casas. Só pra citar algumas coisinhas. Tudo muito louco. E as igrejas precisam de dinheiro para sobreviver, não é? Aliás, uma rica sobrevivência que esconde a podridão e a miséria humana. O ter está acima do ser e em nome de Deus muitas atrocidades são feitas. Cadê a humanidade, a fé,a espiritualidade, a dignidade daqueles que se dizem homens de Deus? Cadê? Você viu em algum lugar por aí?
Não tenho nada contra quem enriquece, não!!! Só não posso aceitar que em pleno século XXI ainda tem gente que morre de fome.
Caso não tenha sido clara no meu comentário ao seu texto, por gentileza, pergunte-me que me esforçarei para esclarecer o que ficou confuso.
Beijo,
Vania